O governo Trump começou antes do previsto com a guinada que Mark Zuckerberg deu à política da Meta, que detém o Facebook, o Instagram e o WhatsApp. As mudanças vêm em duas frentes: nas políticas internas e no posicionamento internacional.
Por anos, Zuckerberg tentou habitar um meio do caminho entre moderação de conteúdo e liberdade de expressão. Coibia algumas fake news nas suas plataformas e desincentivava temas políticos. Por mais que tentasse, no entanto, nunca agradou aos críticos. A cada surto de radicalismo ou teoria da conspiração, a culpa era das redes que permitiram desinformação ou do algoritmo que beneficiou os radicais.
Nada era o bastante e não tinha como ser. O que os críticos querem, no fundo, é que a rede perca sua característica de plataforma aberta e se torne algo similar à imprensa, na qual um grupo de editores determina o que é verdade ou não, o que está ou não está devidamente contextualizado, e portanto o que merece ir ao ar.
Zuckerberg desistiu. Assim, abrandará a moderação de conteúdo e encerrará o contrato com checadores de fatos, que foram uma tentativa de sanear a qualidade da informação no debate público plural das redes.
Embora muitos façam um trabalho sério, nunca alcançaram o objetivo, justamente por carecerem da confiança do público. Numa plataforma horizontal, quem o “checador” pensa que é para determinar a verdade?
No plano internacional, a Meta quer barrar a regulação das redes, que pode prejudicar seus negócios. Há muitas propostas diferentes de regulação, com diferentes objetivos e impactos. Como parte interessada, a Meta tem direito de defender seu ponto, e a nós caberá avaliar se ele se alinha ao bem comum.
Se tentar desobedecer decisões judiciais brasileiras, já sabemos o que acontecerá. É preocupante ele contar com o governo americano para ajudá-lo nessa empreitada; já sofremos interferência americana em nossa política e ela não deixou saudade.
Um confronto entre o entendimento americano de liberdade de expressão —mais libertário— e o europeu (e brasileiro) —mais restritivo— é inevitável.
A própria arquitetura das redes se encaixa melhor no primeiro. Em vez de cerrar fileiras numa esperança vã de acabar com “fake news” (não existiam antes?), penso que o momento é de entender que a tecnologia transformou a lógica do debate público e que o passado não vai voltar.
Não adianta lutar contra a maré; é preciso aprender a nadar. Regulamentações podem ser bem-vindas, mas nenhuma delas nos fará voltar aos à calmaria dos tempos pré-redes.
Fake news e radicalismo são o efeito de um debate público mais democrático, aberto a todos sem distinção, e por isso mais violento, com mais espaço para falta de educação e opiniões infundadas. Para prevalecer nele, não adianta dar carteirada institucional, é preciso saber ser persuasivo por outros meios. Não há moderador que vá impedir o público de se expressar e de errar.
A verdade objetiva existe e importa, mas as salvaguardas institucionais que nos ajudavam a nos aproximar dela se enfraqueceram. Dependeremos cada vez mais da educação e da conduta dos indivíduos para construir um debate saudável. Antes, bastavam uns poucos nos lugares certos; agora, precisaremos elevar a todos.
Fonte: Folha de S. Paulo