As principais economias do mundo correm o risco de sofrer perdas expressivas no PIB (Produto Interno Bruto) caso acelerem demais a realocação de suas cadeias produtivas em resposta ao agravamento das tensões geopolíticas, alertou a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, também conhecida como o “clube dos países ricos”).
Estimativas realizadas pela organização internacional indicam que uma estratégia agressiva de “reshoring” —ou seja, de retorno da produção ao território nacional— pode reduzir o comércio global em até 18%, com perdas de até 13% do PIB em alguns países, em comparação com um cenário em que se mantém o regime de trocas globalizadas.
O alerta da OCDE vem em meio ao aumento das tensões comerciais entre Estados Unidos e China, que têm levado executivos de multinacionais a repensar os riscos de depender de cadeias de suprimento profundamente integradas.
Segundo Marion Jansen, diretora de Comércio e Agricultura da OCDE, o estudo serve como contraponto a discursos crescentes em países desenvolvidos que defendem maior autossuficiência econômica.
“No passado, talvez tenhamos subestimado os riscos de dependência excessiva de um único parceiro comercial, mas ir longe demais na direção oposta — evitando o comércio internacional — seria outro erro, pois nos deixaria mais vulneráveis a choques internos e geraria grandes ineficiências”, afirmou.
A organização utilizou modelos econométricos para medir o impacto de políticas de realocação, incluindo tarifas de importação mais altas, subsídios à produção doméstica e restrições ao uso de insumos vindos de determinados países.
O relatório, intitulado “Supply Chain Resilience Review” (Revisão da Resiliência das Cadeias de Suprimento, do inglês), mostra como a ascensão da China como potência industrial nos últimos 25 anos alterou profundamente o equilíbrio comercial global.
Desde 2009, o número de restrições à exportação de matérias-primas industriais críticas quintuplicou, ao passo que a China se consolidou como principal parceiro comercial de um número crescente de países.
A dependência em relação ao mercado chinês aumentou consideravelmente, segundo a entidade,.entre os países-membros da OCDE desde meados dos anos 1990, sobretudo em setores de manufatura avançada como automóveis, farmacêuticos, elevadores e peças de maquinário.
Segundo a análise, Canadá, França, Alemanha e Reino Unido estão entre os mais vulneráveis a choques nas cadeias produtivas. Já países com maior produção doméstica —como Estados Unidos, Brasil e a própria China— estariam relativamente mais protegidos.
Dado seu domínio sobre diversos setores industriais estratégicos, a China é hoje o principal país responsável por gerar dependências comerciais entre os membros da OCDE.
No início da década de 2020, o país asiático já era o principal parceiro em 30% dos casos em que países apresentavam importações significativamente concentradas, um salto em relação aos 5% registrados no final dos anos 1990.
Apesar disso, a OCDE ressalta que, entre os países-membros, essas relações comerciais tendem a ser mais simétricas. Já em grandes economias não membros —como Brasil, Índia, Indonésia e África do Sul— a dependência crescente em relação à China é descrita como “mais unilateral”.
Folha Mercado
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Mesmo assim, a modelagem da OCDE mostra que realocar cadeias produtivas não torna os países mais resilientes a choques externos. Mais da metade das economias analisadas ficaria, na verdade, mais vulnerável a ciclos de expansão e recessão se abandonassem o regime global interconectado.
“Isso contradiz algumas das afirmações correntes no debate sobre os riscos das cadeias globais de valor (GVCs, na sigla em inglês)”, diz o relatório, que acrescenta: “Abertura e diversificação geográfica oferecem mais opções para lidar com interrupções.”
Fonte: Folha de S. Paulo