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Netflores e Booknet estrearam comércio digital no país – 05/05/2025 – Tec


Quando tudo ainda era mato, Carlos Eduardo Ferreira, 58, resolveu vender flores. O empresário fundou em 1995, aos 28, uma empresa de televendas que daria origem no ano seguinte à Netflores, uma das primeiras lojas virtuais da internet brasileira.

Ferreira, que nos últimos 30 anos prestou consultorias, lecionou na FGV (Fundação Getulio Vargas) e hoje dirige uma empresa de tecnologia voltada à transição energética, integrou um grupo de pioneiros que viu no desabrochar da rede no país a chance de fazer dinheiro.

A internet foi aberta ao público no Brasil em 1º de maio de 1995, após um período de testes realizados por universidades e pela então estatal Embratel. Em pouco mais de um ano, o número de domínios com o final “.br” saltou de 851 para 7.500. Hoje, são mais de 5,3 milhões.

Se o acesso naquela época já era raro para um brasileiro dono de computador, abrir um negócio virtual, então, era ainda mais improvável. Segundo dados do Banco Mundial, a internet alcançou cerca de metade da população dos Estados Unidos em 2001. No Brasil, eram 5% no mesmo ano.

Investimento alto, infraestrutura incipiente e poucos usuários eram barreiras que impediam até mesmo grandes empresas da época de se arriscarem. Mas o trabalho de alguns indivíduos acabou abrindo espaço para a cultura do ecommerce no país.

Ferreira abriu a floricultura virtual após perceber as ineficiências dos serviços de entregas internacionais em Brasília, onde morava. Cobravam caro e entregavam mal, o tipo de história que se repetiu à exaustão na década passada com a explosão de startups de aplicativos.

Começando no próprio quarto e depois a partir de um escritório nos fundos da pizzaria de seu pai, mirou alto, de olho nas entregas para o exterior —isso sem ter recebido um pedido sequer no site.

“Eu falava inglês, sabia mexer com o computador, tinha uma linha telefônica, que na época a gente declarava no imposto de renda, e um fax. Pensei, ‘cara, eu tenho que arrumar algum negócio em que isso aqui seja um diferencial’”, disse.

Ele arrumou. Ter começado antes e saber vender seus serviços chamou a atenção de empresas que passavam a olhar com bons olhos aquele mercado em ascensão.

A Netflores funcionava como uma central de floriculturas —sem estoques, apenas um intermediário entre o cliente que queria enviar flores e as lojas mais próximas dos destinatários, usando um software que a própria empresa desenvolveu.

O impulso veio através de parcerias com a rede americana 1800 Flowers para entregas em toda a América Latina e com programas de pontos de cartões de crédito e de milhagem, como o Smiles da Varig. A companhia aérea distribuía newsletters a milhares de clientes com campanhas que garantiam milhas a cada pedido feito na Netflores.

A empresa registrou um faturamento de R$ 700 mil em 2001 (cerca de R$ 3 milhões corrigidos pela inflação) e chegou a ter cerca de 6.000 floriculturas associadas, entregando na Amazônia e até no Japão. A pizzaria em Brasília deu lugar a um escritório em São Paulo.

Mudanças culturais e a crise da pandemia de Covid-19, considerada um “golpe de misericórdia”, fizeram Ferreira encerrar o negócio em dezembro de 2020. Ele cita como exemplo os bairros de Copacabana e Ipanema, no Rio de Janeiro, onde a Netflores teve, respectivamente, 50 e 30 floriculturas associadas. Sobraram duas naquele período.

“Se não tivesse tido a pandemia, as floriculturas ainda existissem e os jovens mandassem flores, o negócio estaria bombando, com certeza. E poderia ser um iFood das flores ou de presentes”, disse.

O empresário afirma que, embora o modelo de negócio fosse inovador para a época e tivesse alcance global, não chegou a receber investimentos de fundos especializados que poderiam ter alavancado a operação. Apesar de virtual e automatizada, a estrutura era quase artesanal.

“Podemos ter influenciado o ecommerce brasileiro e ajudamos a construir essa cultura, mas não vou trazer a paternidade para mim. Talvez os americanos tenham tido um impacto muito maior. Se tivéssemos sido adquiridos por investidores, e estávamos negociando com bancos da Califórnia quando estourou a bolha da internet, teríamos crescido mais.”

Caso diferente foi o da Booknet, inspirada na Amazon de Jeff Bezos e pioneira no comércio virtual de livros no país.

Fundada em 1995 pelo empresário Jack London (1949-2016), a empresa teve uma vida breve por ter sido adquirida, em 1999, por um fundo de investimentos para dar origem ao Submarino. A marca foi vendida em 2006 para a Americanas e deixou de existir no ano passado em meio à crise da varejista.

O começo da Booknet foi frustrante para quem investiu, para a família de London e para as editoras, que viam até graça no projeto. “Eram tão poucos os pedidos que fazíamos a entrega nós mesmos”, disse a designer Valéria London, que criou a marca da Booknet e foi casada com Jack.

Mas conforme o site e a própria internet foram ganhando força naqueles anos, principalmente após a abertura do capital da Amazon em 1997, as editoras passaram a se interessar e viram na Booknet uma potencial vitrine para seus títulos.

“As editoras não tinham sites na época, então para elas era um presente, um serviço de graça. Fazíamos páginas onde tinha uma busca por editora, você clicava no nome e via um catálogo digitalizado que elas nunca tiveram”, disse Diego London, analista de sistemas e um dos responsáveis pela tecnologia por trás do negócio do pai.

Ele conta que dezenas de caixas com livros chegavam no escritório da Booknet para serem digitalizados manualmente, título por título —a empresa chegou a ter uma equipe de digitadores.

Carlos Eduardo Ferreira, da Netflores, enfrentou um desafio semelhante. Como as floriculturas não estavam na internet, precisou recorrer a listas telefônicas regionais para contatar e cadastrar as interessadas.

O que chamou a atenção dos investidores na Booknet foi uma base de dados com 50 mil clientes, registros bibliográficos e contratos com editoras. Isso, segundo Antônio Bonchristiano, um dos fundadores do Submarino e CEO da GP Investments, garantiu uma largada na frente de outras empresas.

“Se fôssemos começar do zero, talvez fosse até mais barato e melhor, mas não pegaríamos o Natal daquele ano no varejo. Em 60, 90 dias, mudamos o software, a marca, as pessoas, o local, tudo. Isso permitiu que a gente tivesse uma velocidade um pouco maior de decolar”, disse Bonchristiano.

Para o investidor, o que permitiu que o Mercado Livre, de origem argentina, e a Amazon dominassem o ecommerce na região foi a rápida aposta nos marketplaces, fazendo a ponte entre outros comerciantes e consumidores, superando o modelo de venda direta e ligada ao varejo que dominava o setor no Brasil.

Em abril, o Mercado Livre anunciou um investimento de R$ 34 bilhões no país, e a Amazon ampliou as ofertas de logística. Ambas hoje registram lucros na casa dos bilhões de dólares.

Diego London afirma que o valor das startups da época estava muito mais no que elas poderiam vir a ser do que no que elas eram de fato.

Em março de 2005, a abertura do capital do Submarino na Bolsa levantou R$ 472 milhões (R$ 1,4 bilhão hoje). O lucro com a venda da Booknet, segundo London, “deu para comprar um apartamento”.

“Tem uma frase que meu pai adorava que era ‘profits for losers’ [lucros para perdedores]. Você não precisava ter lucro, só precisava apontar para o futuro”, disse.



Fonte: Folha de S. Paulo