O acirramento da guerra comercial promovida pelo governo de Donald Trump levou a um aumento na rentabilidade dos treasuries, títulos do Tesouro dos Estados Unidos, de longo prazo. A taxa de retorno anual do papel com vencimento em dez anos, o mais negociado, foi de 3,99% o início do mês, para 4,34% ao ano na última quinta-feira (17). O de 30 anos saiu de 4,52% para 4,80%. Este salto despertou o interesse de muitos investidores. Mas vale a pena comprar treasuries?
Antes de responder esta pergunta é preciso entender o que são e como funcionam esses títulos. Assim como o Tesouro Nacional do Brasil, o Tesouro dos Estados Unidos serve para financiar o país. Ao comprar um título americano, está se emprestando dinheiro aos EUA. Ao fim desse empréstimo, você receberá seu dinheiro de volta acrescido de uma rentabilidade, que pode ser predeterminada ou acompanhar a inflação e a taxa básica de juros americana.
Comprar um título de dívida de um país, ou de uma empresa, é dar um voto de confiança que este empréstimo será pago. No caso dos títulos dos EUA, a maior economia do mundo, eles são considerados um dos investimentos mais seguros do mundo dada a sua solidez.
Porém, o governo Trump tem deixado investidores mais apreensivos, com o receio de recessão em decorrência das tarifas. Para evitar essa desaceleração econômica, o mercado aposta que o Fed (Banco Central dos EUA) irá cortar os juros do país ao longo deste ano, levando-o dos atuais 4,5% para 3,5%, o que também poderia reduzir a rentabilidade dos treasuries.
“Há um risco que, se a crise das tarifas se intensificar, o mercado mude a alocação em momentos de incerteza. Nos últimos 25 anos, se buscou muito os títulos americanos, com a narrativa de que eram os mais seguros. E essa mudança na política americana pode levar a uma diversificação de lugares para se colocar o dinheiro no momento de aversão a risco”, diz Lourenço Neto, economista e diretor de operações na Miura Investimentos.
Em abril, o ouro já subiu 6,5% em dólares, para US$ 3.327 a onça-troy (31,1 gramas). Já o dólar perdeu 4,8% de seu valor ante as principais moedas do mundo, segundo o índice DXY.
“Ficou muito mais arriscado investir nos EUA, pois Trump tirou a previsibilidade, e essa incerteza levou à desvalorização do dólar. Mas, o DXY está no patamar mais baixo em quatro meses, no mesmo nível de 2022. Então, a tendência é que o dólar pare de cair. Por mais que a economia americana esteja fragilizada, a percepção global é que essa é a moeda mais segura”, afirma Hulisses Dias, analista CNPI.
Já Andre Perfeito, economista-chefe e sócio da consultoria APCE, prevê uma maior desvalorização da divisa dos EUA.
“Só faz sentido o que Trump está fazendo se o dólar se desvalorizar. Não adianta subir tarifa e o dólar também subir. Há fragilidade na economia americana, muita incerteza e complexidade, o que pede, necessariamente, uma postura cautelosa com ativos americanos”, diz o economista.
Folha Mercado
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Quanto maior a percepção de risco, maior a taxa de retorno cobrada pelos investidores, o que explica a alta de juros dos títulos do Tesouro. Além disso, houve uma forte pressão vendedora de ativos americanos recentemente, a qual muitos analistas atribuíram à China, segunda maior compradora destes títulos, com mais de US$ 760 bilhões —o Japão lidera com mais de US$ 1 trilhão.
O secretário do Tesouro americano, Scott Bessent, negou este rumor e disse que se a China fizer isso, estaria dando um tiro no próprio pé, pois o fluxo de dinheiro dos EUA para o gigante asiático fortaleceria a moeda chinesa, o que poderia prejudicar ainda mais as exportações do país.
“Se os títulos do Tesouro atingissem um determinado nível ou se o Fed [Banco Central dos EUA] acreditasse que um rival estrangeiro estivesse usando o mercado de títulos do governo americano como arma ou tentando desestabilizá-lo para ganho político, tenho certeza de que faríamos algo em conjunto, mas ainda não vimos isso”, disse Bessent em entrevista ao Yahoo Finance na última semana.
O movimento de venda foi uma das razões para o governo Trump a puxar o freio de mão e decretar uma pausa na aplicação das tarifas. Em tese, equacionar a dívida pública americana é a principal razão por trás das medidas, que elevariam a arrecadação do Estado. No entanto, se o investidor cobra mais para financiar essa dívida, ela fica mais cara para o governo.
“[O Tesouro dos EUA] é um porto seguro, a maioria dos bancos centrais têm treasuries, e é difícil eles saírem porque não tem onde investir. China e Japão vão ter que continuar comprados”, diz Mauro Orefice, gestor da B. Side Investimentos.
José Maria Correia da Silva, coordenador de estratégia da Avenue, também ressalta a liquidez desses papéis, que são um dos ativos mais fáceis de se comprar e vender.
“O Tesouro dos EUA fez duas emissões recentes e a demanda foi muito sólida. Treasuries seguem como um fator de preservação de valor”, diz Silva.
Dos cinco especialistas entrevistados pela reportagem, quatro recomendam o investimento no Tesouro americano, a depender do perfil do investidor. Silva, da Avenue, recomenda a compra dos títulos com vencimento de cinco ou dez anos. Neto, da Miura, indica aos de dois ou cinco anos.
Já os mais conservadores devem evitar essa exposição, já que ela está condicionada à oscilação do dólar, o que deixa a rentabilidade final em reais incerta.
Orefice, da B.Side prefere o investimento em bonds (equivalente a debêntures) de empresas de países emergentes emitidos nos EUA, com boas avaliações de agências de crédito, que podem chegar a uma rentabilidade de 9% ao ano em dólar.
Já Perfeito sugere destinar a exposição aos EUA a ativos reais, como imóveis. É possível fazer isso via REITs (equivalentes aos fundos imobiliários brasileiros), que são listados na B3 sob forma de ETFs.
COMO INVESTIR EM TREASURIES?
O jeito mais fácil de brasileiros comprarem títulos do Tesouro dos EUA é via BDRs (Brazilian Depositary Receipts) de ETFs (Exchange Traded Funds).
BDRs são recibos negociados na Bolsa de Valores que correspondem a ativos no exterior. Já os ETFs são fundos listados em Bolsa que replicam a performance, e as oscilações diárias, de um determinado índice. Ou seja, é como comprar um fundo estrangeiro da mesma forma que se adquire ações na B3.
Atualmente, a Bolsa brasileira conta com diversos BDRs de ETFs de renda fixa. Dentre eles, há os que refletem o desempenho dos títulos públicos pós-fixados dos EUA (os FRNs), os indexados à inflação (os TIPS) e os prefixados, que são os mais negociados. É possível escolher entre ETFs de treasuries com maturidade de um mês ou de até 30 anos.
Outra opção é investir diretamente dos EUA, abrindo uma conta em uma corretora de lá. Assim, será possível acessar ETFs e fundos de investimentos dedicados aos treasuries.
Agora, para comprar os títulos na fonte, é preciso ter o social security number, o CPF dos EUA. Nesse caso, o investidor consegue entrar no TreasuryDirect, o Tesouro Direto de lá, e comprar o título de sua preferência.
Assim como os títulos do Tesouro Nacional brasileiro, é possível fazer um resgate antecipado, mas isso pode gerar um prejuízo. Ao fazer o resgate antes do vencimento, o investidor deve vendê-los no mercado e estará sujeito ao preço estipulado naquele momento.
RELAÇÃO PREÇO X RETORNO
Títulos como treasuries têm sua rentabilidade atrelada ao seu preço de forma inversamente proporcional. Se o valor do título sobe, a sua rentabilidade cai, e vice-versa. Isso acontece porque tais títulos são emitidos para pagar um valor predeterminado no futuro.
Por exemplo: o governo americano emite um título de dívida a US$ 100, que irá pagar um juro de 3% ao ano por dez anos, ou seja, um lucro bruta de US$ 3 ao ano, chamado de cupom. Porém, na semana seguinte, os juros do mercado aumentam para 4% ao ano, de modo que o título emitido já não é mais tão atraente. Dessa forma, se o comprador quiser revendê-lo no mercado secundário, terá que cobrar menos de US$ 100, com um desconto para incorporar este incremento de um ponto percentual na rentabilidade. Assim, para que o título a 3% entregue o mesmo cupom que um título a 4% em dez anos, ele terá que custar R$ 75. Agora, se o juro no mercado caiu, é possível vender o título por um preço maior. Se o juro for a 2% ao ano, seria cobrado R$ 150 para entregar a mesma rentabilidade bruta de US$ 3 ao ano.
Fonte: Folha de S. Paulo