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A cultura (não) importa? – 23/12/2024 – Michael França


A cultura molda não apenas quem somos mas como vemos o mundo e como tomamos decisões. Ela não se limita a tradições, mas também reflete o conjunto de valores, expectativas e maneiras de pensar que são transmitidos de uma geração para outra.

Ela representa um senso de identidade e de pertencimento que dá aos indivíduos um significado. Ao mesmo tempo, ela também pode moldar nossas decisões de uma forma que nos impeça de avançar em certos caminhos. Isso tende a ser particularmente impactante para aqueles que vivem em comunidades marginalizadas, lugares onde o peso de uma história de exclusão se faz presente a todo momento.

É um peso que sussurra a todo momento em seus ouvidos: “Conforme-se com sua realidade, é assim que é a vida”. “Pessoas como nós nasceram para ficar à margem.” “Não seja ambicioso para não se frustrar.” “Não vale a pena tentar. Isso não é para você.” “Você não é digna de valor e respeito.” “Você tem a cor da servidão.”

Nesse contexto, tem-se que, quando uma pessoa cresce ouvindo que certos caminhos “não são para ela”, a cultura se torna um eco de nossas barreiras estruturais, refletindo-se em uma fonte psicológica de limitações que, em muitos casos, tende a ser até mais poderosa do que as restrições de recursos.

Talvez você faça parte do seleto grupo de nossa sociedade que não tenha ouvido, ano após ano, mensagens limitantes semelhantes, e tudo bem. Você não tem culpa de ter ganhado na loteria do nascimento.

Entretanto, quero que você compreenda que, quando mensagens desse tipo se repetem e quando crenças negativas se enraízam, não é difícil imaginar como isso vai afetar as escolhas. E aqui também não se trata de culpar a cultura pela pobreza ou pela desigualdade, mas de entender como estruturas profundamente arraigadas, como o racismo, o machismo e a negligência institucional, moldam e perpetuam a própria cultura.

Essas estruturas não operam isoladamente. Elas influenciam valores, comportamentos e até mesmo as narrativas que valorizamos e que contamos sobre nós mesmos e sobre o mundo ao nosso redor. No fundo, tem-se que o que uma pessoa almeja não surge do nada, mas representa o fruto de uma construção forjada pelas expectativas que ela ouve desde a infância, pelos exemplos que observa em sua comunidade e pela maneira como o mundo ao seu redor valida ou invalida suas ambições.

As conversas que temos, os gestos que nos são mostrados e os modelos sociais a que temos acesso criam as bases sobre as quais construímos nossos ideais de possibilidades e limites. Uma criança que cresce em um lugar onde o sucesso é visível, alcançável e incentivado tende a acreditar mais em si mesma e visualizar que seus sonhos podem se realizar. Entretanto, aquelas que são expostas constantemente a mensagens de fracasso, exclusão ou desvalorização tendem a internalizar a ideia de que seus desejos não são alcançáveis ou até mesmo que são irrelevantes.

A história das aspirações humanas é também a história das oportunidades que lhes são negadas ou permitidas. Em um país em que, para muitos, as oportunidades são escassas, tem-se que milhares aprenderam apenas a se adaptar ao contexto.

O texto é uma homenagem à música “Estranhou O Quê?”, composta e interpretada por Moacyr Luz.


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Fonte: Folha de S. Paulo