
O regime de separação total de bens visa garantir a independência do patrimônio dos cônjuges mesmo depois do casamento. Isso é bastante comum quando um ou outro cônjuge (ou ambos) já possuem um patrimônio constituído e desejam destiná-lo aos filhos ou a outros familiares.
Uma dúvida bastante comum neste tipo de regime patrimonial é sobre a como fica herança no caso da morte de um dos cônjuges. Para esclarecer o tema, o InfoMoney conversou com dois especialistas, conforme veremos a seguir.
O que é separação total de bens e como ela funciona?
A separação total de bens é um regime patrimonial que impede qualquer comunicação de bens entre os cônjuges.
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“Neste regime patrimonial, cada cônjuge mantém sob sua exclusiva titularidade e administração os bens adquiridos antes e durante o matrimônio, seja qual for a natureza da aquisição (onerosa ou gratuita)”, explica Max Bandeira, do Bandeira Damasceno Advogados.
A separação de bens pode ser convencional ou obrigatória. A convencional é estabelecida livremente pelas duas partes, por meio do pacto antenupcial ou por escritura pública antes do casamento ou da união estável. Já a obrigatória se aplica a determinados casos, como maiores de 70 anos e viúvos sem partilha de bens, por exemplo.
“Também é possível que os cônjuges (ou companheiros) ingressem com uma ação para alterar seu regime patrimonial para o da separação total de bens”, complementa Max.
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O cônjuge tem direito à herança na separação total de bens?
Na separação de bens convencional, que é quando os cônjuges escolhem este regime, existe o direito à herança. Isso porque, como explica Mariana Pimentel, do escritório Medina Guimarães, os efeitos decorrentes desse regime incidem em vida (no divórcio, por exemplo), mas não após a morte.
“Nos termos do art. 1.845 do Código Civil (CC), o cônjuge é herdeiro necessário e, nesta condição, tem direito à herança”, diz a especialista.
Por outro lado, há algumas exceções a essa regra na separação obrigatória de bens. “De acordo com o art. 1.829 do CC, se o falecido deixar descendentes (filhos, netos, bisnetos ou tataranetos), o cônjuge não terá direito à herança”, observa Mariana.
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Outra situação de perda do direito à herança neste regime de bens é no caso de o cônjuge sobrevivente ser expressamente deserdado por ato de última vontade (nas hipóteses legais) ou quando é declarado indigno por decisão judicial, segundo Max Bandeira.
Como a lei brasileira trata a herança na separação total de bens?
Na lei brasileira, segundo mariana Pimentel, existe uma discrepância entre os eventos que ocorrem em vida e em razão da morte.
“Enquanto no divórcio prevalece a separação patrimonial, no falecimento a separação patrimonial não prevalece, pois o cônjuge sobrevivente passa a ter direito sobre o patrimônio que foi deixado por quem faleceu”, observa a especialista.
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Como aponta Max Bandeira, essa distinção é expressa no art. 1.829, inciso I, do Código Civil:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
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Segundo Bandeira, esse dispositivo foi objeto de interpretação reiterada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que pacificou o entendimento de que a separação convencional não exclui o cônjuge da herança.
“O pacto antenupcial apenas regula os efeitos patrimoniais em vida. Ele não pode afastar direitos sucessórios, por serem indisponíveis e de ordem pública”, reforça o advogado.
Qual o impacto do testamento na separação total de bens?
Como vimos, o cônjuge é herdeiro necessário (obrigatório), mesmo quando há separação total de bens. Logo, ele tem direito à metade da herança disponível, ao lado de outros herdeiros necessários e, por isso, o testamento não pode afastá-lo da partilha, a não ser em casos de deserdação ou indignidade.
“A deserdação exige disposição expressa em testamento, apontando alguma das causas graves previstas em lei, segundo o art. 1.964 do CC. Já a indignidade deve ser declarada judicialmente após o falecimento, de acordo com o art. 1814 do mesmo dispositivo”, explica Bandeira.
O advogado também alerta para o fato de que não é válida a tentativa de pactuar a renúncia à herança no acordo antenupcial. Isso porque tal cláusula violaria os artigos 426 (proibição de contrato sobre herança de pessoa viva) e 1.845 do Código Civil.
Mariana Pimentel observa que, há algum tempo, existe no Direito Civil uma discussão sobre os limites dos direitos sucessórios dos cônjuges e dos companheiros.
“Recentemente, a discussão voltou à tona em razão do Projeto de Lei n. 4/2025, que busca a reforma do Código Civil. No PL, em trâmite no Senado Federal, os direitos sucessórios dos cônjuges são, de certa forma, restringidos”, aponta a advogada.
Exemplos
Para ilustrar como funciona a separação total de bens na prática, Max Bandeira trouxe quatro exemplos:
1 – Separação convencional com filhos do falecido
Carlos e Helena casaram-se sob separação total de bens por pacto antenupcial. Carlos faleceu, deixando dois filhos de casamento anterior e patrimônio de R$ 900 mil.
Neste caso, como o regime é convencional, Helena herda 1/3 da herança (R$ 300 mil), concorrendo em igualdade com os dois filhos, que recebem os outros R$ 600 mil (R$ 300 mil para cada). Helena não tem direito à meação, mas tem direito à herança.
2 – Separação legal com filhos
Pedro (75 anos) e Ana (35 anos) casaram-se sob separação obrigatória. Pedro morreu, deixando um filho de outro casamento e patrimônio de R$ 500 mil.
Nesta situação, Ana não herda nada, pois o casamento foi regido pela separação legal e há descendente. O filho herda 100% do acervo. Ana só poderia pleitear meação sobre bens adquiridos onerosamente em comum (Súmula 377/STF), caso houvesse.
3 – Separação total, sem filhos nem ascendentes
Rafael e Luísa casaram sob separação total de bens. Rafael morreu sem deixar filhos nem pais vivos.
Como não há outros herdeiros necessários, Luísa herda 100% do patrimônio, mesmo com regime de separação total.
4 – Testamento deixando bens a terceiros, com separação convencional
Joana casou-se com Marcos sob separação total de bens convencional, e não tiveram filhos.
Marcos morreu, deixando testamento em que destinava 100% dos bens a um sobrinho. Não tinham filhos.
Joana pode anular parcialmente o testamento para assegurar o que lhe é de direito (50% dos bens) como herdeira necessária. O sobrinho herdará apenas a metade restante (parte disponível).
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Fonte: Infomoney