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Apagão na Europa mostra transição energética sob estresse – 06/05/2025 – Joisa Dutra


O mundo foi surpreendido —ou melhor, nem tanto— pelo blecaute que atingiu a Península Ibérica. Alguns se apressaram em culpar as renováveis (RE), mas a realidade é mais complexa: Espanha e Portugal vivenciam expansão acelerada das fontes renováveis, sem o devido avanço em armazenamento. A limitada interconexão com a França, especialmente por razões comerciais, agrava a situação.

Ainda é cedo para identificar a causa exata da falha, mas o sinal é claro: sistemas elétricos ao redor do mundo estão sob estresse. O que parecia exceção —como o apagão no Brasil em agosto de 2023 ou o colapso no Chile em janeiro de 2025— revela um padrão. A Espanha é apenas o evento mais recente.

A transição energética continua seu curso, ainda que lenta. Na Europa, desde 2010, a participação das renováveis no consumo final de energia cresce a uma taxa modesta de 0,6% ao ano, segundo a publicação Eye on the Market, do J.P. Morgan. O aviso que vem da ciência segue firme: precisamos migrar para uma economia de baixo carbono.

O problema é que os motores da demanda não arrefeceram. A chamada “transformação aditiva” já é uma realidade: mesmo em países desenvolvidos, o consumo aumenta, impulsionado por data centers e eletrificação de outros usos, como aquecimento e transporte.

Se é certo que a adição de capacidade tem sido dominada por renováveis —que, segundo a Agência Internacional de Energia (IEA), responderam por 38% do aumento da oferta de energia no ano passado— a redução dos fósseis não avança no mesmo ritmo. Para ilustrar, apesar de investimentos recordes em renováveis, a China iniciou a construção de 94 GW de usinas a carvão no mesmo período. Assim, o limite de 1,5°C do IPCC se afasta a cada ano.

O que nos espera? A sucessão de choques —da desorganizada saída da pandemia à guerra na Ucrânia— evidencia a necessidade de uma nova arquitetura para os sistemas de energia. Como os modernistas de 1922, talvez ainda não saibamos exatamente o que queremos, mas sabemos o que não queremos: um sistema que falha ao entregar segurança, clima e preços acessíveis.

A resposta está na integração. A incorporação massiva de renováveis demanda redes e armazenamento— não só expansão, mas na adaptação da infraestrutura existente a um mundo digitalizado e permeado por desafios de resiliência a mudança climática, ataques cibernéticos e choques. E isso exige pensar energia como sistema.

No Brasil, a resiliência ainda repousa majoritariamente sobre a hidroeletricidade e o gás natural. A primeira, sozinha, não dá conta: sua capacidade de armazenamento e sua participação no sistema vêm caindo. Reconfigurá-la para prestar serviços de flexibilidade exige contratos e mercados adequados.

O modelo atual, concebido nos idos de 2000, centrado em contratos de longo prazo, não acompanha mais as necessidades de um sistema com alta penetração de solar e eólica. Essas usinas não são adequadamente remuneradas pelos valiosos serviços que prestam. Ainda que o tema seja urgente, a proposta de reforma, anunciada há poucos dias pelo governo federal, não o endereça.

O gás natural, por sua vez, enfrenta dilemas contratuais. Até 2028 venceram ou vencem os contratos de quase 10 GW de térmicas a gás conectadas à malha de transporte. Sem novos contratos, essas plantas ficam inviabilizadas economicamente. Um leilão de capacidade chegou a ser planejado para garantir remuneração, o leilão de reserva de capacidade, mas acabou suspenso por decisões judiciais. A retomada, ainda este ano, é esperada —e crucial.

Armazenamento entra em cena como peça-chave. Ainda em fase inicial de regulamentação, a expectativa é de leilões específicos. A experiência de lugares como Califórnia e Austrália mostra que o armazenamento distribuído, integrado a geração local, traz resiliência —e reduz riscos de apagões como o espanhol. Mas demanda coragem, agilidade e coordenação na política e na regulação.

A falha em articular essa nova arquitetura custará caro —em energia ou na falta dela. A Espanha que o diga.


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Fonte: Folha de S. Paulo