O split payment foi incluído no contexto da reforma tributária como uma proposta inovadora, com o potencial de aumentar a eficiência na arrecadação de impostos, reduzir a sonegação fiscal e simplificar o processo de pagamento de tributos para as empresas.
Apesar do viés usualmente positivo imputado ao split payment nas notícias sobre o tema, a análise do novo mecanismo de recolhimento sugere que o contribuinte será, em regra, prejudicado pela medida.
Isto porque a criação do split payment, que visa facilitar a função arrecadatória e fiscalizatória das autoridades fiscais, busca os referidos objetivos assumindo a premissa de que todos os contribuintes são potenciais sonegadores, ou seja, na contramão da busca de uma relação colaborativa entre fisco e contribuinte.
Assim, inverte-se a ordem até então instaurada: passa-se a primeiro recolher o tributo para depois apurá-lo e, caso necessário, discutir os aspectos de sua incidência.
Não por outra razão que há grande preocupação dos contribuintes a respeito de como será a implementação e sobre os investimentos em tecnologia e infraestrutura que serão necessários.
Essa preocupação é plenamente justificável frente aos claros impactos que o split payment terá sobre os contribuintes e a desconfiança, justificada pela experiência vivida até então, dos mecanismos de ressarcimento.
Nesse contexto surge um novo ponto de preocupação aos contribuintes ao analisar o texto final promovido pela Lei Complementar nº 214/2025: como ficarão os pagamentos parcelados?
A princípio, a resposta seria simples. A reforma tributária trouxe uma nova forma de extinção dos débitos de IBS e CBS por meio do split payment, o qual, conforme definido na própria legislação, ocorre no momento da liquidação financeira da transação.
Logo, operações parceladas em que as transações de pagamento ocorrem por meio de prestadores de serviços de pagamento eletrônico ou instituições operadoras de sistemas de pagamentos terão o imposto retido e recolhido no momento da liquidação financeira de cada parcela.
Referida conclusão é reforçada pela previsão do inciso II, do artigo 34, da Lei Complementar nº 214/2025, que define que “nas operações com bens ou com serviços com pagamento parcelado pelo fornecedor, a segregação e o recolhimento do IBS e da CBS deverão ser efetuados, de forma proporcional, na liquidação financeira de todas as parcelas”.
Assim, por conclusão lógica, a Subseção III da Lei Complementar nº 214/2025 regulamenta de forma específica as operações realizadas no âmbito do split payment, as quais sempre seguiriam a lógica do “momento da liquidação financeira da transação”.
FolhaJus
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Ocorre que a Lei Complementar abre espaço para que o fisco possa buscar o melhor dos dois mundos: ora o tributo é devido no momento da liquidação financeira, ora o tributo é devido dentro de seu período de apuração, independentemente da liquidação financeira.
Isto porque, no inciso IV do mesmo artigo 34, a Lei Complementar dispõe que o split payment “não afasta a responsabilidade do sujeito passivo pelo pagamento do eventual saldo a recolher do IBS e da CBS, observados o momento da ocorrência do fato gerador e o prazo de vencimento dos tributos”.
Ao analisar a referida previsão, nos parece que há espaço para interpretação de que a responsabilidade do fornecedor pelo recolhimento do IBS e da CBS permaneceria no momento do fechamento de sua apuração, mesmo em operações sujeitas ao split payment.
Isso significa que, quando o fornecedor for fechar sua apuração mensal, caso haja saldo a recolher de IBS e CBS —por exemplo, em razão de compras parceladas em que as parcelas adicionais ainda não foram liquidadas—, haverá a obrigação de recolhimento desses valores.
Esse, inclusive, parece ser o entendimento exposto por representantes da Receita Federal até o momento, de que o fornecedor deverá realizar o pagamento dos valores remanescentes no momento da apuração.
Contudo, esse entendimento, além de ir contra a lógica do split payment exposta ao longo da Lei Complementar nº 214/2025, pode gerar pagamentos duplicados e deixar o contribuinte à mercê das regras de restituição, prejudicando ainda mais o fluxo de caixa dos contribuintes.
Assim, em nossa visão, a melhor interpretação do inciso IV do mesmo artigo 34 é a realizada de forma sistemática com o restante das previsões da Lei Complementar, ou seja, que: (i) toda operação realizada no âmbito do split payment seria objeto de recolhimento apenas no momento da liquidação financeira dos valores e (ii) a responsabilidade do fornecedor seria aplicável unicamente caso não haja o correto recolhimento por meio do split payment.
Ora, deve-se respeitar a lógica do split payment para as operações parceladas, não sendo razoável que se possa aplicar uma sistemática de recolhimento no momento da liquidação financeira que traz diversos ônus ao contribuinte, ao mesmo tempo em que continua a ser exigido deste as mesmas obrigações de apuração regular.
Portanto, é essencial que a regulamentação a ser editada sobre o tema enderece esse ponto, de modo a evitar que o assunto vire alvo de futuros litígios e cause ainda mais prejuízo aos contribuintes.
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Fonte: Folha de S. Paulo