Com a possível taxação de dividendos acima de R$ 50 mil por mês a partir de 2026, empresas que reinvestem os lucros em vez de distribuí-los podem ganhar destaque na Bolsa. A proposta da nova tributação, enviada pelo governo Lula ao Congresso, visa compensar a isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil. Caso seja aprovada, poderá impactar o mercado acionário.
“A taxação de dividendos deve tornar a tese de empresas que reinvestem os lucros mais atraente”, considera Leonardo Terroso, analista de investimentos da AMW. Ele observa que dividendos são muito valorizados no Brasil devido à cultura de renda passiva, mas a mudança tributária poderia incentivar uma reavaliação. “Se a proposta for implementada, pode haver uma migração de interesses para companhias que conseguem gerar retornos elevados reinvestindo capital”, opina.
Werner Roger, sócio fundador e diretor de investimentos da Trígono Capital, tem uma opinião diferente, já que a ideia do governo não vai afetar os fundos de investimento. “Eu acho que 10% dos dividendos não são algo que mudem muita coisa. As [distribuições de] JCPs (Juros sobre Capital Próprio) já pagam 15% para a pessoa física, os fundos não pagam. Isso é facilmente contornável”, argumenta.
A proposta visa tributar dividendos recebidos por pessoas físicas acima de R$ 50 mil por mês, atingindo não apenas investidores da Bolsa, mas também sócios de empresas de serviços — como escritórios e consultorias — que pagam dividendos aos associados em vez de pró-labore. A medida deve impactar um público mais amplo do que se imagina, acredita o especialista.
Hora de olhar além da renda passiva
Independentemente de qual análise vai prevalecer, caso a proposta do governo seja aprovada, para o investidor brasileiro pode ser a hora de olhar além da renda passiva e buscar também empresas de crescimento.
A estratégia de investir em companhias dessa forma fez a fama – e a fortuna – do gestor britânico Terry Smith, que multiplicou por seis o valor do Fundsmith entre 2010 e 2020. Este é o período coberto no seu livro, Investing for Growth, em que ele detalha como investir “nas melhores empresas do mundo”.
No Brasil, a WEG (WEGE3), de equipamentos elétricos, é a companhia mais lembrada pelos gestores e analistas quando o assunto é crescimento. “A WEG é uma empresa que é caracterizada por crescimento, tanto orgânico, novos produtos, quanto inorgânico, através de aquisições, inclusive aquisições no exterior”, diz Roger.
Ele conta que a empresa consegue extrair sinergias e reinvestir com eficiência, impulsionando o crescimento dos negócios e, por isso, também é cara, pois tem múltiplos elevados. Por outro lado, para quem acredita, “o retorno na Bolsa tem sido excepcional”. A WEG paga dividendos, mas eles são modestos frente ao valor gerado.
Roger cita ainda Tegma (TGMA3) e Kepler Weber (KEPL3) como outros exemplos de empresas com alta eficiência na alocação de capital. A primeira opera no modelo asset light (é focada em gestão), atuando como agenciadora de transporte, contratando terceiros (caminhoneiros e cegonheiras) em vez de manter frota própria. Isso reduz imobilização, gera caixa com baixo investimento e proporciona um retorno sobre o capital investido (Roic), superior a 30%.
Já a Kepler, do setor agroindustrial, financia sua produção com os próprios clientes. Recebe adiantamentos em etapas para construir silos de armazenamento, o que reduz a necessidade de capital de giro. Com estrutura enxuta e Roic que já chegou a mais de 50% (hoje em 26%), consegue distribuir bons dividendos sem comprometer o crescimento.
Terroso ainda cita Cury Construtora (CURY3) e Totvs (TOTS3), de tecnologia. “Uma empresa que gera mais valor ao reinvestir o lucro apresenta oportunidades de crescimento e consegue obter retornos maiores sobre seus investimentos”, comenta o analista.
Mesmo quando o foco está em empresas de crescimento, o preço de entrada segue sendo decisivo para o sucesso do investimento. Até um negócio extraordinário pode gerar retornos ruins se comprado caro demais.
Encontrando o valor justo
No Brasil, o momento parece ser favorável, com o preço em relação ao lucro das empresas (P/L) do Ibovespa abaixo da média da última década. Nos EUA, a correção recente em techs como Nvidia (NVDC34), Alphabet (GOGL34) e Meta (M1TA34) também poderia trazer algum desconto.
É aí que entra o valuation, a avaliação do valor justo de uma empresa. Analistas de bancos e corretoras costumam usar o múltiplo EV/EBITDA (valor da empresa em relação ao lucro operacional) como referência, por ser simples e comparável ao longo do tempo. “Mas ele captura só uma fotografia do momento, enquanto o investidor deve olhar o filme inteiro”, diz Roger da Trígono. Já as pessoas físicas preferem observar o P/L, outra metodologia simples.
Gestores de fundos de investimentos preferem ver o filme projetado, por meio do modelo de fluxo de caixa descontado. “Assim, vemos o caixa que a empresa deve gerar ano a ano, já considerando investimentos e capital de giro, e trazemos a valor presente usando uma taxa de desconto”, diz Roger.
Para ele, ainda que o mercado esteja caro, que o Ibovespa bata 170 mil pontos (hoje está em 129 mil), se o investidor procurar, é possível encontrar empresas mal precificadas. “O mercado não é tão eficiente assim”, afirma.
Fonte: E-investidor