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CEOs se tornam mentores de jovens da periferia – 24/12/2024 – Mercado


São cerca de duas horas de transporte público entre o Parque Paraíso, em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo, até Pinheiros, na zona oeste da capital paulista. Mas nos últimos três meses, essa distância não desanimou Analice Andriolli, 19 anos. O trajeto era feito a cada 15 dias, entre a casa da jovem estudante de administração, até a sede da AB Mauri, dona de marcas icônicas, como o fermento Fleischmann e o achocolatado Ovomaltine.

O motivo: Analice passou por sessões de mentoria com o presidente da AB Mauri no Brasil, Danilo Nogueira, 49, para desenvolver habilidades comportamentais e interpessoais, as “soft skills”. Ela nunca tinha estado tão próxima de um CEO antes.

“No começo, fiquei nervosa. As perguntas do primeiro encontro foram sobre mim e eu não sabia o que responder”, disse à Folha. “Mas logo percebi que a gente tem muito em comum: ele fez administração e não gosta de finanças. E identificou em mim uma coisa que eu nem sabia: tenho perfil de líder. Quero trabalhar numa multinacional e um dia ocupar esse espaço, de preferência na área de RH.”

Analice e Nogueira fazem parte de um programa que reúne presidentes de empresas com jovens de 18 a 29 anos em situação de vulnerabilidade social. No desenvolvimento das habilidades socioemocionais, os CEOs procuram fazer com que os jovens identifiquem em si mesmos seus pontos fortes e fracos e, a partir daí, adotem estratégias para ressaltá-los ou suavizá-los.

Os executivos auxiliam os jovens na escolha de um caminho profissional compatível com as suas preferências, dando dicas sobre networking e capacitação técnica, e incentivam os mentorados a traçarem metas de curto prazo para atingirem seus objetivos.

“Estes jovens são muito rápidos em verem as próprias fraquezas e têm dificuldade em reconhecerem o seu potencial. Isso faz com que eles travem no momento em que um recrutador pede: ‘Conte mais sobre você’”, diz a gerente de projetos e operações do Instituto Fesa Croma, Layla Marques.

O grupo Fesa é especializado em soluções de recursos humanos. O instituto nasceu há dois anos, com a proposta de oferecer mentoria para apoiar jovens de baixa renda no desenvolvimento profissional. O programa com os CEOs é realizado em parceria com a YPO (Young Presidents Organization), organização global para desenvolvimento de líderes e, desde 2023, atendeu 108 jovens de diferentes estados do país.

Os mentorados são de famílias de baixa renda, estudantes de universidades públicas ou bolsistas de particulares, e participam de programas em instituições parceiras da Fesa. O instituto procura fazer um “match” entre o mentor e o jovem, reunindo pessoas com inclinações em comum.

“Eu brinco com esses jovens dizendo que a agenda de um CEO é muito concorrida e que muita gente gostaria de estar no lugar deles”, diz Layla. O programa envolve encontros quinzenais durante três meses, presenciais ou online, com duração de uma hora cada um.

“Para a maioria desses jovens, faltam referências profissionais dentro da própria casa. Eles costumam ser os primeiros da família a entrarem em uma universidade ou aprenderem um segundo idioma”, diz Layla.

Com Natália Santos, 23 anos, foi assim. Filha de uma empregada doméstica, com pai desempregado, ela é a primeira da família a cursar uma faculdade. Faz administração e conseguiu uma vaga de jovem aprendiz na AB Mauri, depois de ter sido mentorada por Danilo Nogueira no ano passado.

“O Danilo nunca me prometeu nada”, diz ela, que mora no Campo Limpo, zona sul de São Paulo. “Mas me ensinou que é preciso se preparar e ficar atenta às oportunidades”, diz ela, que trabalhava na área de contabilidade, da qual não gostava. “Eu e ele temos isso em comum”, brinca.

A vaga na AB Mauri era como jovem aprendiz, uma experiência que Natália já teve. Mas ainda assim ela não se importou em voltar para esta posição, a fim de crescer na companhia. “Aprendi que às vezes é preciso voltar duas ou três casas, para avançar cinco à frente. Sou persistente.”

A trajetória do CEO da AB Mauri também foi assim. “Eu tinha 19 anos, estudava administração, quando arranjei meu primeiro emprego em um escritório de contabilidade. Não gostava de jeito nenhum”, lembra Nogueira. Em casa, disse para o pai que não estava feliz no emprego. “Ele me falou para aguentar firme, só poderia sair se arranjasse outra coisa.”

Nogueira permaneceu na contabilidade por dois anos, até migrar dentro da companhia para o comercial, área com a qual se identificou. “Mas hoje percebo que a minha experiência com contabilidade me ajuda na interface com o time de finanças”, afirma. “Essa resiliência em determinados momentos da carreira é muito importante, principalmente para quem está começando.”

Bárbara Del Monte, 25 anos, estudante de marketing, sentia a necessidade de controlar o nível de ansiedade, que aumentou quando ela foi promovida de recepcionista a assistente de marketing. A mudança veio na mesma semana em que ela passou a ser mentorada pela CEO da Hershey, Larissa Diniz, 52.

“Eu disse à Larissa que estava em busca de estabilidade emocional”, diz Bárbara. “Como uma CEO que passou por várias empresas, e tem uma formação na mesma área que a minha –publicidade e propaganda–, tinha certeza que ela poderia me ajudar.”

E foi o que aconteceu, segundo Bárbara: Larissa pediu que a universitária identificasse momentos de “sinal verde, amarelo e vermelho”. “Ela disse que eu precisava perceber quando algo iria me deixar tensa, pensar no sinal amarelo e tentar me controlar”, diz.

Nessa hora, Bárbara deveria se lembrar do próprio potencial e entender que tudo bem se ela não souber o que fazer ou não souber uma resposta imediata. “O importante é não ultrapassar o amarelo.”

Tal conselho só foi possível porque, aos 15 anos, Larissa Diniz recebeu um apoio importante na trilha do autoconhecimento. “Minha mãe me deu um livro fantástico chamado ‘Quem você pensa que é?’, no formato de teste de personalidade”, diz. “Eu comecei a me conhecer muito melhor a partir dali, como se estivesse me olhando no espelho. Percebi que agia de determinada maneira quando, na verdade, pensava agir de outro modo.”

Já o mineiro Pedro Henrique Barroso, 19 anos, sentia falta de alguém em quem se espelhar profissionalmente. “Na minha família, sou o primeiro a ir para uma universidade”, diz ele, estudante de direito da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Quando conheceu o seu mentor, o CEO da gestora de investimentos JiveMauá, Guilherme Ferreira, sentiu ter encontrado um rumo.

“Ele se formou em direito em uma universidade pública, a USP [Universidade de São Paulo], trabalhou e estudou nos Estados Unidos. Pensei: ‘Quero ser igual a esse cara’”, diz Barroso.

Para Ferreira, a mentoria é a oportunidade de refletir sobre tudo o que viveu. “Também é a chance de mostrar a alguém mais jovem como não cometer os mesmos erros e a maximizar os acertos.”



Fonte: Folha de S. Paulo